REVISTA ZONA DE IMPACTO. ISSN 1982-9108, VOL.
12, JUL/DEZ, ANO XI, 2009.
Resumo: A finalidade deste artigo são dois objetivos, o primeiro é fazer uma leitura da Estética Transcendental de Kant, partindo da filosofia de Gilles Deleuze, e mostrar que de acordo com a conceituação deste filósofo do que é filosofia, podemos perfeitamente enquadrar o trabalho de Kant como um perfeito trabalho filosófico. O segundo objetivo será um diálogo entre os dois filósofos e como é tecida a partir de uma tríade teórica elaborada por Deleuze: os conceitos, o plano de imanência e os personagens conceituais.
Palavras-chave: Filosofia, Transcendental, Imanência.
Abstract: The purpose of this article is two objectives, the first is to do a reading of the Transcendental Aesthetics of Kant, leaving of Gilles Deleuze's philosophy, and to show that in agreement with this philosopher's conceituação of what is philosophy, perfectly we can frame the work of Kant as a perfect philosophical work. The second objective will be a dialogue among the two philosophers and as it is woven starting from a theoretical triad elaborated by Deleuze: the concepts, the immanence plan and the conceptual characters.
Key words: Philosophy, Transcendental, Immanence.
Há de tudo na Crítica, um tribunal de juiz de paz, um cartório de registros, um cadastro – salvo a potência de uma nova política que subverteria a imagem do pensamento. Mesmo o Deus morto e o Eu rachado são apenas um mau momento a passar, o momento especulativo; eles ressuscitam, mais integrados e certos do que nunca, mais seguros de si mesmos, mas num outro interesse, no interesse prático ou moral. (Deleuze, 2006, p. 200).
Ela não é reflexão, porque ninguém precisa de filosofia para refletir sobre o que quer que seja: acredita-se dar muito à filosofia fazendo dela a arte da reflexão, mas retira-se tudo dela (...). A filosofia não contempla, não reflete, não comunica, se bem que ela tenha de criar conceitos para estas ações ou paixões. (Deleuze e Guattari, 1992, pp. 14-5).
(...) um conceito tem sempre componentes que podem impedir a aparição de um outro conceito, ou, ao contrário, que só podem aparecer ao preço do esvanecimento de outros conceitos. Entretanto, nunca um conceito vale por aquilo que ele impede: ele só vale por sua posição incomparável e sua criação própria. (Deleuze e Guattari, 1992, p. 44)
(...) sob que condições o homem inventou para si os juízos de valor “bom” e “mau”? e que valor têm eles? Obstruíram ou promoveram até agora o crescimento do homem? São indício de miséria, empobrecimento, degeneração da vida? Ou, ao contrário, revela-se neles a plenitude, a força, a vontade da vida, sua coragem, sua certeza, seu futuro? – Para isso encontrei e arrisquei respostas diversas, diferenciei épocas, povos, hierarquias dos indivíduos, especializei meu problema, das respostas nasceram novas perguntas, indagações, suposições, probabilidades: até que finalmente eu possuía um país meu, um chão próprio, um mundo silente, próspero, florescente, como um jardim secreto do qual ninguém suspeitasse... (destaques meus) (Nietzsche, 1998, p. 9).
Um conceito não exige somente um problema sob o qual remaneja ou substitui conceitos precedentes, mas uma encruzilhada de problemas em que se alia a outros conceitos coexistentes (...). Em primeiro lugar, cada conceito remete a outros conceitos, não somente em sua história, mas em seu devir ou suas conexões presentes. Cada conceito tem componentes que podem ser, por sua vez, tomados como conceitos (...). Os conceitos vão, pois, ao infinito, e, sendo criados, não são jamais criados do nada. (Deleuze e Guattari, 1992, pp. 30-1).
(...) a criação de conceitos é, necessariamente, uma intervenção no mundo, ela é a própria criação de um mundo. Assim, criar conceitos é uma forma de transformar o mundo; os conceitos são ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à sua maneira. (Gallo, 2003, p. 41).
Por exemplo, Descartes, na segunda Meditação não quer definir o homem como um animal racional, porque tal definição supõe explicitamente conhecidos os conceitos de racional e de animal: apresentando o Cogito como uma definição, ele pretende, pois, conjurar todos os pressupostos objetivos que sobrecarregam os procedimentos que operam por gênero e diferença. Todavia, é evidente que ele não escapa de pressupostos de outra espécie, subjetivos ou implícitos, isto é, envolvidos num sentimento, em vez de o serem num conceito: supõe-se que cada um saiba, sem conceito, o que significa eu, pensar, ser. O eu puro do Eu penso é, portanto, uma aparência de começo apenas porque remeteu todos os seus pressupostos ao eu empírico. (Deleuze, 2006, p. 189).
Mas há também os casos em que o filósofo não inventa heterônomos: ele é o personagem de si mesmo. Mas é sempre personagem o criador dos conceitos. Como mostrou Foucault em sua conferência intitulada “O que é um autor?”, apresentada à Sociedade Francesa de Filosofia em 1969, o autor de um texto é uma ficção, uma função-autor, não uma “mônada subjetiva” que se coloque para além da obra produzida. É essa função-autor trabalhada por Foucault que, no caso da filosofia, Deleuze e Guattari chamam de personagem conceitual. O filósofo René Descartes, por exemplo, foi um personagem criado pelo homem René Descartes e foi esse personagem que criou os seus conceitos. (Gallo, 2003, pp. 56-7).
Seja de que modo e com que meio um conhecimento possa referir-se a objetos, o modo como ele se refere imediatamente aos mesmos e ao qual todo pensamento como meio tende, é a intuição. Esta, contudo, só ocorre na medida em que o objeto nos for dado; a nós homens pelo menos, isto só é por sua vez possível pelo fato do objeto afetar a mente de certa maneira. A capacidade (receptividade) de obter representações mediante o modo como somos afetados por objetos denomina-se sensibilidade. Portanto, pela sensibilidade nos são dados objetos e apenas ela nos fornece intuições; pelo entendimento, em vez, os objetos são pensados e dele se originam conceitos. (Kant, 1999, p. 71).
(...) Kant contesta com muito vigor qualquer pretensão no sentido de que o espaço e o tempo valem como realidades absolutas, nega que eles possam valer “também independentemente da forma da nossa intuição sensível” e, por fim, nega que eles possam “ser inerentes absolutos das coisas como suas condições ou qualidades”. (REALE e ANTISERI, 2003, p. 874-5).
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com nosso modo de conhecimento de objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental. (Kant, 1999, p. 65).